Preso, era assim que me sentia |
Sempre falei abertamente da minha insatisfação com uma rotina de 14 horas divididas entre consultório e uma outra clínica. Costumo falar do número de horas trabalhadas pois isto era um jeito de mostrar como a rotina em que me meti era cansativa; As vezes massacrante. No entanto, isto acontecia porque eu não estava satisfeito de um modo geral de como as coisas na minha vida estavam indo e as 14 horas diárias eram apenas um adicional comparado a isto.
Em Abril de 2018, ao vender o consultório e sair da
clínica onde trabalhava, escrevi o texto abaixo, para um blog que pretendia
iniciar como forma de diário e falar de livros, viagens, empreendedorismo,
fotografia e renda passiva; Temas que sou apaixonado. O site teve apenas dois
posts, um deles, um tanto polêmico, que estou divulgando agora para você.
Apesar de este artigo ter mil palavras, na época,
ele foi escrito de uma forma rápida e natural, pois eu só estava escrevendo o
que pensava e sentia.
Você deve estar se perguntando, o porque estou
divulgando isto só agora, 8 meses depois. A minha resposta é: Coragem. Na
internet hoje, nós encontramos pessoas com as vidas mais perfeitas do mundo, e
como você irá perceber, eu estava enfrentando na minha vida o oposto da
perfeição que as pessoas pregam e divulgam nas redes sociais. Por isso, com
receio dos julgamentos que poderiam vir (e sei que virão) segurei este artigo
até hoje.
Atualmente, minha vida está infinitamente mais
tranquila: Me mudei de cidade, comecei uma nova faculdade de marketing digital
(que costumo dizer que é a minha especialização) e estou tocando um projeto
pessoal na internet, voltado para a odontologia, onde tento falar tudo que
penso e gosto. Apesar de ser EXTREMAMENTE introvertido, as coisas aos poucos
estão tomando seu lugar e estou satisfeito com os resultados colhidos até
agora.
Enfim, a odontologia é uma profissão fascinante, sou
realmente apaixonado pela minha área de formação e pelo que eu enfrentava
naquele momento da minha vida, acredito que me sentiria da mesma maneira em
qualquer profissão que escolhesse. Por isso, a mensagem/crítica deste texto
envolve a sociedade em geral, questionando o conceito de felicidade, ações,
crenças e atitudes.
Boa Leitura.
Uma Ofensa Aos Sentidos:
Ônibus lotado? Normal... |
Acordo cedo, desligo o despertador, levanto, faço café e ligo a TV: São 6:15, “dez pessoas morrem em acidente de carro”, “obra do Hospital adiada por 15 anos vai atrasar mais 5”, “imposto novo sobre o ar que você respira”, “enchente em São Paulo deixa milhares de desabrigados”. Nem tenho tempo pra refletir sobre cada uma dessas coisas, pois já são 7:15 e como sempre, eu me enrolo o máximo pra sair de casa e pegar o ônibus.
Saio de casa correndo, abro a porta, meu corpo leva
um choque pelos 35ºC despejados pelo sol e, apesar de viver bem localizado, me
deparo com uma ambiente quase hostil. Olho para um lado, um bueiro entupido, no
outro um morador de rua dormindo em um bar abandonado, tenho que andar
desviando nos buracos da calçada cheios de água da chuva de 3 dias atrás, passo
por um homem cambaleando com uma garrafa de cachaça na mão e em alguns lugares
o cheiro é de puro lixo.
Imagem real do meu caminho até a estação de ônibus |
Ao chegar ao meu destino, o terminal de ônibus, pago
um preço absurdo pra entrar e ando até o final da estação pra me posicionar na
fila gigante das pessoas que querem ir pra Florianópolis. Meu serviço fica a
apenas 4 km de distância, mas o ônibus é o mesmo das pessoas que vão pra
Floripa.
Enquanto espero, os ônibus que passam fazem um
barulho estrondoso e defumam todos que aguardam. Olho ao meu redor e as pessoas
tem aquele olhar vazio, infeliz e cansado, por estar fazendo aquilo pela
milésima vez, sem propósito algum. Isto não é uma crítica, pois se parar pra
pensar, eu devo ter o mesmo olhar. Após esperar pouco, pois sempre chego no
limite do horário, o meu transporte se posiciona para receber os passageiros e
pasmem, este não é um ônibus articulado. Se não pega-lo, chegarei atrasado no
trabalho, assim, como eu estou fazendo desde o início do dia, vou seguindo o
fluxo. Entrando no ônibus me deparo com um adesivo de alerta de que cabem no
máximo 70 pessoas sentadas e em pé, mas lá devem ter no mínimo umas 90.
Eu não reclamo, afinal, como tudo
que se passou até agora, isso é rotina.
Dentro da lata de sardinha, começo
a suar descontroladamente com o calor e a ausência de qualquer resquício de
vento. O ônibus começa a se movimentar, anda uma quadra e encalha, logo após
entrar na principal. O meu caminho até o trabalho acontece então em uma média
de 8 km por hora, ouço o som de buzinas, motores sem manutenção e sinto cheiro
de suor que também vem de mim. Ao olhar pela janela: Uma fábrica abandonada, um
rio cheio de lixo, dois carros batidos e o asfalto a frente emanando calor.
Desço do ônibus meia hora depois e saio correndo em direção ao local de
trabalho, este trajeto também se passa com os mesmos abusos aos meus sentidos
sofridos no caminho anterior. Ignoro tudo novamente, pois o primeiro paciente
tem que ser atendido em 10 minutos e mal cheguei à clínica.
O Dentista Mascarado:
É só vestir uma "máscara" por 14 horas do seu dia que fica tudo certo |
Chego ao meu destino, são 8:10 e meu subconsciente sabotador pensa “o que diabos o paciente já está fazendo aqui”. A pessoa, corretíssima ao chegar no horário marcado, olha de cima abaixo o dentista a sua frente, descabelado, apressado e lavado em suor. A técnica de saúde bucal chega quase todo dia uma hora atrasada, afinal deve passar pela mesma realidade massacrante que eu, mas isto, em resumo, quer dizer que tenho que arrumar todo o consultório antes de atender a primeira pessoa, o que é feito com uma rapidez e uma falta de vontade impressionantes. Chamo o paciente no horário e inicio o atendimento, apesar do cansaço de uma semana cheia de repetições, consigo ainda oferecer um bom tratamento e fazer com que o convidado se simpatize com meu bom humor e qualidade de atendimento. Mal sabe ele que isto é apenas uma mascara que esconde um personagem cansado da realidade que lhe cerca e massacrado pela rotina. Porque a mascara? É ela que paga o aluguel no final do mês e me permite lotar a geladeira de cerveja no final de semana. Como todos, eu troco cinco dias por dois.
Assim, o dia se segue até o último
paciente, marcado as 18 horas, o tratamento dele é um clareamento com luz
ultravioleta, e em 45 minutos poderei terminar e voltar para a casa. Inicio o
atendimento, repito todo protocolo técnico e meu corpo é tomado pela alegria de
ter terminado, mas ao mostrar os resultados, vem a reclamação de que a cor esta
longe dos dentes facetados do Luan Santana. Explico então os pontos técnicos,
que ainda estamos na segunda sessão (de três no total), que os dentes das
pessoas reagem a maneiras diferentes ao tratamento e qualquer coisa podemos
tentar uma outra técnica no último atendimento. O paciente se revolta dizendo
que foi enganado, que queria os dentes iguais aos do seu grande ídolo e culpa a
minha pouca idade pelo “insucesso” do tratamento. A clínica devolve o seu
dinheiro e o convidado sai com os dentes mais claros e a carteira cheia.
Liberdade?
LIBERDADEEE! Será? |
O dono da clínica, com toda a sua simpatia e
experiência (sem ironia), me diz que faltou autoridade clínica e que não
preciso aparecer mais.
Treze horas após levantar da cama, chego em casa,
exausto e triste pelo acontecido mas logo esta sensação é substituída por um
sentimento de liberdade, afinal, não irei fazer parte da matrix na sexta-feira.
É dia 19 de abril e todo o tempo gasto nesta rotina macabra foi apenas para
pagar impostos.
Desde que eu não volte para esta realidade, foda-se
o que acontecer depois.
Obrigado,
André Martins - Arriba Dentista